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Curiosidades

Chaplin por ele mesmo

Por trás das telas, Charles Chaplin – o adorável vagabundo de calças sanfonadas, chapéu-coco, bengala de junco e coração de manteiga – teve uma vida cheia de adversidades. E a melhor fonte para quem quiser conhecer em detalhes a conturbada trajetória desse sensível e magistral artista é Minha vida, autobiografia originalmente lançada em 1964, que se apresenta agora em língua portuguesa.

O livro de memórias vem provar que, além de sua enorme contribuição cinematográfica – Luzes da cidade, Luzes da ribalta, Tempos modernos, Um rei em Nova York, O grande ditador e Em busca do ouro são alguns dos memoráveis títulos –, Chaplin excedeu a sétima arte e fez mais do que suas criativas e expressivas representações podem sugerir. Como declarou o escritor Octavio de Faria no início da obra, ele foi poeta, realista e sonhador, e atravessou todos os estágios da aprendizagem humana: “Seu coração está irremediavelmente sangrando, como o nosso, esse nosso coração que, de início, só de ver sua figura mal podia conter o riso, mas que logo percebeu que estava rindo de si próprio, do seu sofrimento, do eterno sofrimento humano – da única coisa de que, humanamente, jamais teria o direito de rir”.

Inclusive, o mais genial clown de todos os tempos expõe, em sua biografia, alguns desses aprendizados e pensamentos de caráter íntimo. “Como de hábito, eu vivia sozinho. Isso tinha as suas vantagens: dava-me a oportunidade de aperfeiçoar o meu espírito (...). Há no mundo uma irmandade dispersa: a dos que são apaixonadamente ávidos de saber. Eu era um dos seus membros. Meus motivos, porém, não eram tão puros. Eu queria acumular conhecimentos não pelo simples gosto de saber, mas como defesa contra o desprezo do mundo pelos ignorantes.”

Das mais doces lembranças do menino Chaplin (nascido em 16 de abril de 1889), fazem parte sua mãe, que era atriz, assim como seu pai e seu irmão Sydney, quatro anos mais velho: “Todas as noites, quando voltava do teatro, era costume de mamãe deixar em cima da mesa alguma gulodice que Sydney e eu descobríamos pela manhã – uma fatia de bolo napolitano ou doces –, e já sabíamos que não deveríamos fazer barulho ao acordar, pois que ela, em geral, deitava-se tarde.”

Sua primeira aparição em público foi curiosa e ocorreu por acaso. Chaplin conta que, durante uma apresentação, sua mãe começou a ficar rouca e teve de se retirar do palco. Quem acabou entrando em cena, por sugestão do empresário, foi o pequeno Chaplin, que, com apenas 12 anos, não teve dificuldade em entreter a platéia: conversava, dançava, fazia imitações – inclusive da oportuna rouquidão materna. Foi aclamado com moedas e aplausos, sem imaginar que essa seria, também, a última aparição pública da mãe.

Minha vida traz mais de 100 fotos, que ilustram todas as etapas da história de Chaplin. Inclui ainda uma lista cronológica de todos os seus filmes, além de suas impressões sobre personalidades com quem ele teve contato, como Gandhi, Albert Einstein e Bertold Brecht, e a poesia A Carlito, escrita por Carlos Drummond de Andrade. Como disse o poeta, em sua dedicatória: Velho Chaplin, a vida está apenas alvorecendo e as crianças do mundo te saúdam.