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Curiosidades

Por trás do misterioso sorriso

Em 21 de agosto de 1911, Vincenzo Peruggia chegou ao trabalho com duas horas de atraso. O motivo só seria conhecido no dia seguinte. O franzino pintor de paredes havia roubado do Louvre, sem dificuldade alguma, uma das mais famosas obras de arte de todos os tempos: a Mona Lisa, de Leonardo Da Vinci. A parte mais interessante do episódio, porém, é que, após o roubo, as pessoas se aglomeravam na porta do museu francês para ver o espaço vazio deixado pelo quadro. Este é o ponto de partida do livro O roubo da Mona Lisa – O que a arte nos impede de ver, no qual o psicanalista inglês Darian Leader faz uma análise abrangente sobre o poder da arte. “Talvez a história do desaparecimento de Mona Lisa nos possa dizer algo acerca da arte e das razões por que a contemplamos”, diz o autor.

A famosa pintura de Da Vinci já era muito apreciada, mas sua elevação a uma posição de tanto destaque só seria permanentemente estabelecida por seu desaparecimento, segundo o psicanalista. “Seria necessário sumir da vista para se tornar um símbolo”, avalia, reportando-se às fotografias surrealistas das gigantescas multidões de parar o trânsito, que se empurravam e acotovelavam para entrever de relance o quadro quando este percorreu outros países nas décadas de 1960 e 1970.

O fascínio exercido pelo enigmático retrato da dama florentina permite, ainda, outras reflexões. “Se a Mona Lisa desaparece e depois volta, é possível que se comece então a apreciá-la de uma nova maneira, tal como em tantas histórias de amor em que só começamos a amar a nossa parceira quando a perdemos e depois a recuperamos.” Nesse caminho, o autor procura pistas que levem aos porquês da atenção que se dispensa à arte visual. “Estamos procurando algo que perdemos?”, indaga.

O escritor recorre a nomes de peso, como Freud e Lacan, para falar da ligação entre psicanálise e arte. Reconhece que as tentativas de buscar explicações para a gênese e a composição das obras, nas biografias dos artistas, muitas vezes são redutoras e inúteis, mas considera que a psicanálise pode dizer algo sobre as razões por que olhamos para certas coisas e não para outras, assim como a arte pode impelir os psicanalistas a repensar suas idéias. Entre as reflexões, ele constata que, ao peregrinar pelas galerias de arte, as pessoas freqüentemente começam a imaginar como outros – em geral, um ser amado – veriam aquela obra.

Ao lado de informações sobre as mais diversas expressões artísticas e referências significativas, o livro faz revelações curiosas, como o relato de Peruggia sobre o ousado furto – ele confessou que, inicialmente, se sentiu atraído por outro quadro, mas, ao passar pela Mona Lisa, teve a estranha sensação de que ela lhe estava dedicando um sorriso... “Embora encontremos olhos o tempo todo, é quando prestamos atenção neles que passamos a nos sentir inquietos, que começamos a materializar a presença de um desejo, algo que não podemos predizer ou satisfazer”, analisa Leader.

Apresentando novas formas de observar e vivenciar a arte, sob perspectivas psicanalíticas, o livro propõe uma enriquecedora viagem interior. Como ressalta o autor, “as imagens nos moldam, nos transfixam, nos cativam e alienam”. Experimente passar diante da misteriosa Mona Lisa. Você resistiria ao seu olhar?