Um ET na noite de SP
Numa típica noite de verão, um extraterrestre desceu a São Paulo para conhecer os embalos desta metrópole gigantesca — e animada, segundo fontes extragaláticas. Demorou um pouco a achar o local, instalado no arranha-céu de um bairro comercial, mas ao se deparar com a fachada não teve dúvidas de que era onde o agito estava. Conseguiu nome na lista graças ao bom relacionamento com os terráqueos e, por isso, não pagou pela entrada e não enfrentou fila.
Logo de cara, um bar de balcão extenso, luzes coloridas que lembravam sua nave, o meio do salão tomado por mesas e poltronas todas ocupadas. Os humanos jantavam, conversavam e se entreolhavam. O ET quis provar a famosa cerveja, iguaria criada na Alemanha mas que, soube, no Brasil também fazia fama. E gelada! Mal podia esperar para provar a "loira". Só vendiam uma marca, nenhuma das que lhe recomendaram... Foi de caipirosca.
Percebeu que homens mais velhos, alguns engravatados, dominavam a cena. Será que são casados?, pensou. Mesmo os mais novos tinham postura de senhores da alta roda, com seus uísques em punho e belas moças no encalço — será que são as esposas? As mulheres, ah, as mulheres... Brasileiras são estrelas de verdade, o ET sempre ouvira falar da ginga e da beleza. Achou que estavam enfeitadas demais e, apesar dos decotes, na sua opinião isso não facilitava em nada a apreciação rigorosa da espécie — apenas tirava a atenção do que era realmente essencial de se ver.
O show começou e, aí sim, entendeu de onde vinha o apreço universal pela mulher do Brasil. Algumas músicas depois, elas haviam tomado a pista. Mas isso se deu de repente, havia uma excitação diferente no ar. Era um astro sumido há décadas, um garçom lhe diria, que apesar da decadência artística que a ausência do foco dos holofotes sugeria, agradava (e muito) a mulherada. Logo elas eram gritos e braços ao alto, num misto de felicidade e desespero.
O roqueiro jogava os cabelos pros lados, sussurrava com a boca colada ao microfone, lançava sorrisos e um olhar, aquele assim, que os galãs adoram usar. Depois de ensaiar sair do palco umas vezes — ele pediu que pedissem bis, em tom de brincadeira, e as moças responderam com fidelidade —, o espetáculo acabou. Que nada! Logo o ET se viu diante de um aglomerado de fêmeas com suas câmeras digitais. Eram novas, velhas-que-querem-parecer-novas, velhas assumidas, casadas e solteiras, todas em torno do ex-popstar, como se ele ainda emitisse com a mesma intensidade sua luz viril e poderosa. "Não entendo o que viram nele, esse sujeito parece mais um jedi, só que mais alto e bombado", o ET resmungou consigo mesmo.
Depois viriam músicas que o ET ouviu na sua antepenúltima visita à Terra, há uns bons anos, só que com batidas esgarniçadas por trás, o que não fazia nenhum sentido para o extraterrestre. "Achei que a música tinha evoluído neste planeta." Até havia quem contasse galáxia afora da descoberta da música eletrônica entre os humanos, mas ele duvidou que fosse aquela que tocava.
Após quase morrer de susto ao pagar a conta, entendeu que a noite paulistana é de fato muito cara, como falavam, e imaginou que a diversão é um privilégio para poucos por estas bandas. Mas logo se lembrou da alegria natural do brasileiro, e concluiu que cada tribo devia ter sua forma de celebrar a vida e que, no fim, todos se divertiam neste país. "Tomara!", mentalizou. Sua próxima jornada seria uma discoteca mais underground na capital paulista, decidiu naquela hora. Já havia estado num samba e num forró... Mesmo tendo apreciado, não se identificou. "Coisa d'outro mundo", contou aos amigos na volta.
Na saída, já na rua, respirou aliviado pois sua nave ainda se encontrava ali, intacta, e nenhum flanelinha estava a postos pedindo gorjeta. Tampouco precisava de estacionamento pago, valet ou algo que o valha — que estão pela hora da morte e costumam deixar riscos e amassados na lataria que só se notam quando já raiou um novo dia. Tinha seguro. Mas, que bobagem! Sua nave é transparente, tanto é que ninguém daquela balada, nem das outras anteriores, desconfia que numa noite qualquer esteve perto de um alegre e bem-intencionado ET. "É incrível, os grupos de inteligência não procuram direito..." Engatou a primeira e seguiu em direção ao céu.
Segunda-feira, Março 10, 2008