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Andarilha

Por mais bagagem que se reúna, é difícil prever o que se encontrará pelo caminho e, mais ainda, o que se verá no fim. Por isso, nosso kit de primeiros socorros pode não dar conta de fechar as feridas e as queimaduras -- elas são de segundo grau, terceiro... O jeito é colaborar com a cicatriz. Nossa reza tem de ser firme, mesmo quando pareça sem sentido, porque o sentimento é mais forte do que a razão no momento do ferir. Quem machuca quem? Não importa, a cura vem de si.

Ao caminhar, nunca sei o que teria sido se tivesse seguido outras placas, outros passos. Não tenho como saber. Tenho de me concentrar, agradecer por ter alternativa, por enxergar, realmente ver. Porque mesmo vendo o que está à minha frente, lados, costas, cima e baixo, muitas vezes não entendo, não lembro.

Minha memória carrega meus anseios, é seletiva, me deduz. Lembro-me do que ainda quero ter, de outro modo, por outro meio. Tenho um baú e mil braços, um para cada alça. Mas eles se entrelaçam, me abraçam, me sufocam às vezes. Se estou aquecida, uso-os para tocar alheios, será que eles querem?, será que eles se sentem bem? Fico caminhando pelo túnel, apalpando as paredes, tentando não olhar reto demais, para que a luz não me tire a possibilidade de olhar para dentro, em volta, o céu e o chão também.

Eu poderia andar para sempre, andarilha. Me sinto viva neste túnel, ele é transparente, nele a chuva entra e faz flores crescerem. Pura vegetação, a poda a cada não pelo não, o adubo a cada sim querendo bem de mim.

Quinta-feira, Fevereiro 28, 2008