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A guerra nossa de cada dia

O despertador toca e Angélica acorda num susto. Pensa, ainda de olhos colados: "Mais um dia se inicia, lá vou eu para a batalha."

Depara com o espelho, antes de entrar no chuveiro, e conclui que só sendo lavado seu cabelo ficará apresentável. O choque da água fria na cabeça que faz todos os pêlos ficarem de pé serve pra espantar o mau humor matinal.

Pronta a toque de caixa, sai cinco minutos atrasada, iogurte e colher de plástico na bolsa e, assim que desponta da garagem, um pedestre desatento quase tromba com seu carro. Ele faz um gesto mal educado, ela xinga em pensamento: "Vá se catar!".

Já no trabalho, é telefone, é o chefe que cobra, são os colegas que atrapalham sua concentração, a Internet que é lenta, o Word que trava. Na proteção de tela, a foto daquela praia paradisíaca, Angélica olha e suspira: "Ê vida de gado, até quando vou suportar...".

Hora do almoço, pede chinês pra não perder tempo, vários projetos inacabados com prazo apertado pra entregar. Enquanto come o yakisoba requentado no microondas, abre um site de notícias pra ver as últimas fofocas do mundo das celebridades. Mas assaltam o seu olhar: "Tropas do Exército ocupam Morro da Mangueira, no Rio"; "Garoto vê carro-bomba após explosão em bairro de Bagdá". Sente pena da situação da humanidade, mas logo se desvia, põe pasta na escova de dentes e levanta pra escovar.

Acaba o expediente, a rotina no trabalho, como sempre, foi quente, discussões de idéias, gente que preferia distância na cadeira ao lado, cliente que só sabe reclamar.
Antes de voltar pra casa, lembra de devolver o dvd na locadora, atrasou dois dias na entrega e mesmo assim não conseguiu ver o Almodóvar. "Raio de multa, paga à toa..."

Está na calçada de uma avenida agitada, ainda terá de passar na farmácia, um moço de prancheta em punho pára Angélica, se colocando na sua frente, feito estátua. Tentando desviar, o salto do sapato apertado vai direto num buraco, a moça, muito irritada, quase despenca, solta um palavrão dos mais sujos, e, como já odeia pesquisas de rua, olha pro rapaz com cara de "Vou te matar!". Num disparo, ele pergunta: "A senhora é contra o desarmamento?" Angélica, instantânea, com jeito de fofa, faz uma pombinha com as mãos bem diante do peito e responde "Magina! Eu sou da paz!".

Quinta-feira, Julho 20, 2006