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Intimidade coletiva

Fiquei sabendo que um senhor de voz grave e terno sóbrio vai oferecer uns 5 paus no negócio a ser fechado; a mulher de jeito áspero tem um ótimo urologista pra indicar ao marido da amiga; e o "doutor" advogado que paga cafezinho aos súditos como forma de mostrar poder e cortesia passou horas no fórum atrás de solução praquela intricada pendência jurídica. Mas não, eu não conheço essas pessoas. Eram meus vizinhos de balcão na padaria, nos 10 minutos que levei para dar fim ao meu misto quente. Todos portavam com orgulho seus celulares e resolviam suas histórias sem nenhuma cautela no meio do movimento vespertino dos que buscam pão, leite e afins que matem a fome. Lugares públicos viraram mais públicos que nunca, e expõem realidades alheias como se o redor fosse composto de gente camarada. Já não se medem o volume da voz e o grau de intimidade do tema - meu telefone tocou, o papo é urgente e eu vou resolver agora, que os estranhos escutem meus métodos, minhas respostas.

Atender ligação na rua, no shopping, na fila há muito deixou de ser novidade tecnológica. Não sou a favor de que voltemos àqueles aparelhos pesados, com fio e um disco com furinhos que correspondem aos números para que se trave uma conversa pessoal. Mas episódios como esse me fazem pensar que a vida íntima deixou de sê-la (que palavra mais Jânio!), e que isso pouco importa pra maioria. Discurso furado (e atrasado) numa época de Orkuts e MSNs? Pode ser. É que a ficha cai aos poucos e, com a rapidez do mundo, não sabe muito bem escolher a hora.

Besteira pensar, no entanto, que isso tornou a humanidade mais próxima. Concluo, nas minhas voltas filosóficas solitárias, que estamos cada vez mais longe da verdade do outro - e, por que não, da nossa. Tudo isso são máscaras, refúgios, cavernas. Basta ter o último modelo de aparelho em punho para que seja simulada uma conversa a mais pomposa. Certa vez, um amigo fingia que dava ordens ao piloto do seu helicóptero (ambos imaginários) no meio da churrascaria: "Jarbas, me pegue às 18h no heliponto!" Fotos bem editadas e cria-se um perfil de semicelebridade. Palavras certas (ou emoticons engraçados) são suficientes para se manter um diálogo bacana. O olho - mais uma vez ele nesse blog - deixou de ser ferramenta decisiva numa escolha ou num juízo. O que dizer do coração, da intuição, do silêncio que revela, deixando os sentidos livres para manifestações inconscientes e espontâneas? Estão recolhidos, esquecidos no porão das vontades sinceras.

Terça-feira, Dezembro 13, 2005