Quem olha
Perguntou ao companheiro onde ele havia estado durante todo esse tempo. Porque, por mais que tivesse certeza de que ele seguiria sempre ao seu lado, vira e mexe se sentia falando sozinha, ainda que obtivesse algumas respostas.
Ele sempre esteve ali, de fato. Do seu jeito, é verdade. Que outra maneira de se dedicar à amada senão dando a ela aquilo que se julga ser o melhor? Essa pequena é fogo, ele costumava pensar. Impossível não hesitar antes do próximo passo quando a direção é o coração dela.
Você parece que está nas nuvens, no seu universo paralelo, ela repetia feito um papagaio amalucado. Será que, na cabeça dele, meia dúzia de agrados distribuídos pela semana eram suficientes para satisfazê-la? Entender o que realmente fazia falta nessa relação teria virado um enigma indecifrável.
As mulheres e suas nóias... Por mais que se esforçasse, suas investidas erravam o alvo. Mesmo olhando com toda atenção do mundo pra ela, só via interrogações na testa. A boca, que tanto gostava de beijar, se mexia nervosa. E ele, que se apaixonou pelo sorriso fácil da menina, agora se perdia em palavras desconexas.
Você nunca olha nos meus olhos, se quer mesmo saber a maior das minhas queixas, ela diria de modo confessional.
Ele ficou calado, de costas. Não sabia qual poderia ser a alternativa correta pra questão do olhar.
Nem me encarar você pode?, a garota cativante de outrora deixaria escapar em tom de ameaça.
Era o que ele teria feito antes, não tivesse ela disparado suas falas carregadas de uma dor emprestada de alguma novela melodramática.
Estou falando com você, vire-se e me responda!, Mas o que é que está acontecendo conosco?, Onde é que isso vai dar, meu Deus!? seriam seus impropérios seguintes, estavam prontos para uma pronúncia árdua.
Ele foi mais rápido, colocando-se firme feito um sentinela diante dela. Permaneceram em silêncio. Antes de fitá-la, enxugou, sem que ela notasse, as lágrimas que se formavam em momentos de conflito, mas que ele jamais permitira que escorressem pelo rosto além da metade.
Quarta-feira, Novembro 30, 2005